quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Det sjunde inseglet (1958) – Ingmar Bergman




Det sjunde inseglet (1958) – Ingmar Bergman

Há muitas cenas marcantes em O Sétimo Selo: o cavaleiro que joga xadrez com a Morte; o morto na estrada; a procissão dos flagelados; a humilhação de Jof na taberna; o piquenique no campo; a dança macabra; enfim... Podemos até mesmo dizer que é um filme composto de uma sucessão quase ininterrupta de acontecimentos profundamente simbólicos. Boa parte, diz Bergman, foi tirado de sua memória: quando garoto, acompanhava o pai que era pastor a igrejas medievais da Suécia. Geralmente as igrejas eram decoradas com pinturas. Todas as cenas já estavam lá. O diretor apenas as organizou.
Ora, a genialidade de O Sétimo Selo está, não apenas pela profundidade das cenas – Bergman é cineasta sim, não apenas dramaturgo –, mas nos diálogos – ricamente filosóficos. “A única certeza da vida é a morte?” Pergunta-se o diretor. Não. A felicidade terrena é a finalidade da vida. Ela pode ser alcançada, através da pureza do amor. Nada romântico, não?
Embora contenha esse pequeno direcionamento ético, o filme é claramente um manifesto existencialista-ateísta-materialista: a vida é esta que vivemos e não adianta querer escapar da morte: ela é o nada. A vida é o ser. Antes de vivermos éramos o nada. Passamos algumas décadas sendo e retornamos ao nada.
Claro que ter consciência disto não é fácil. Por isso, acho que, dentre todas essas belas cenas do filme, a mais chocante é a da jovem sendo queimada na fogueira por bruxaria. Ela está tomando consciência do nada. Entrar na morte é encontrar o nada. Tornar-se o nada. Block e Jöns percebem isto. Ficam atordoados, não suportam e se vão.
Block tem consciência do nada o tempo todo, desde o começo. Procura Deus, quer crer, quer que exista algo além do vazio. Não suporta a idéia do nada. Mas o nada o persegue. A morte é inevitável.
Já seu fiel escudeiro Jöns ri. Seu cinismo é sua arma contra o nada. A vida, enquanto vida, não deve desesperar, submergir em angústia profunda: vamos rir da morte e seguir a vida. Vamos?

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Estamira (2004) – Marcos Prado



Estamira (२००४) – Marcos Prado

A pobreza pode ser bela?
E a miséria humana, a degradação, a destituição daquilo que convencionamos chamar de ser humano, pode ter beleza? A loucura?
Estamira é um filme belo. Fotografia e tomadas expressam a beleza poética das imagens simples. O discurso de Estamira e a estética da desgraça humana se complementam divinamente. Entretanto: aonde vai o cinema nacional?
Por que sempre a pobreza, a miséria e a degradação em primeiro plano? Será essa nossa única fonte? Não se pode transcender, imaginar, criar algo para além disto?
Isto engendra um sério problema ético: será correto transformar a desgraça alheia em beleza? “Não é belo, é triste”, dizem uns... Sim, mas, no fundo, há algo de belo na tristeza. Somos filhos do Romantismo, não nos esqueçamos.
Transformar pobreza em arte mais do que despertar na sociedade qualquer tipo de preocupação com uma situação caótica, diviniza o artista, confere-lhe o título de intelectual, consagra-o, transforma-o naquele que pensa nos pobres e que os defende. Mas não nos esqueçamos: tudo é indústria e $$$.
De qualquer modo Estamira é um filme sincero, honesto, belíssimo, muito artístico. Quanto à Estamira, um ser humano, fora do eixo, é verdade. Entretanto, não deixemos de levar em conta suas escolhas. Estamira escolhe sim. Doentiamente, perturbadamente, é verdade, mas, “perturbações, distúrbios, todos temos”, diz Estamira. Cada um lida com isto de um modo diferente, de acordo com sua condição social, com a condição de sua sociedade, como vimos Estamira fazer. Ainda que alienada em sua realidade, Estamira teve a dignidade de desvencilhar-se de Deus. Boooaa, velhinha!
Frase do filme: “Você está com Deus enfiado no cu?”

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Buongiorno, Notte (2003) – Marco Bellochio



Buongiorno, Notte (2003) – Marco Bellochio

É fato: as idéias de Marx, sem dúvida, mais que as de qualquer outro filósofo, literato, poeta ou artista, modificaram a ordem mundial no século XX. O marxismo se desenvolveu como artifício das camadas populares intelectualizadas – ou dos intelectualizados burgueses – e assumiu o papel de contra-ideologia dominante por décadas, sem qualquer tipo de refutação, que não fosse a do seu maior inimigo direto.
O filme de Bellochio conta a história de quatro marxistas, ativistas do grupo “Brigadas Vermelhas”. Seqüestram o ex-primeiro ministro italiano e atual presidente de um poderoso partido conservador, Aldo Moro. Sua intenção: fazer justiça em nome da luta de classes. A história é verídica, o ano é 1978.
Alugam uma casa, seqüestram o presidente, prendem-no num quarto.A partir daí o filme ganha ares de suspense, semelhante ao de “O que é isso companheiro?”. O medo de serem descobertos e o ódio que nutrem pelo seqüestrado, ou por tudo o que ele representa, não são, entretanto, o epicentro da trama. A crítica ao fanatismo comunista coloca em xeque a fé que os militantes têm sobre suas ações: ter um estilo de vida totalmente subversivo, ou melhor, fazer parte de uma ação altamente subversiva – seqüestrar um importante político – é a melhor coisa a fazer da sua vida? Ou é melhor se conformar e ter uma vida pequeno-burguesa comum?
A personagem central é Chiara, a única mulher do grupo, e a que mais encarna essa crise. É a única compassiva. Os demais companheiros, dois totalmente impávidos, frios, representados como figuras desumanas, fanáticos da causa comunista, e outro medroso, egoísta, burguês.
Chiara é o centro da trama. Seus pensamentos, sentimentos, sonhos e ilusões é que são o ‘fio condutor’ da história. Compreende que o assassinato de Moro não levaria a nada, não traria a vitória do proletariado. O ideal - O Estado proletário, a pátria soviética – confunde-se com o real - uma sociedade em que os anseios populares são totalmente manipulados pelos meios de comunicação.
A influência da TV é tão grande que começa a perturbar a mente dos ‘terroristas’. Sendo ela a única janela dos seqüestradores com o mundo exterior, veiculam os desejos reacionários do povo alienado, a influência da Igreja Católica nas negociações, e exaltam a nação contra o terrorismo comunista.
A narrativa é entrecortada, não-linear. Faz-se de modo não explícito, o que dificulta o entendimento da história. Enquadra-se na escola européia de cinema, que nos fins dos anos 50 congregou ao cinema um aspecto muito mais subjetivo, filosófico e fenomenológico: a ação que se desenvolve e o olhar que a registra são duas realidades distintas, mas que ao mesmo tempo, compõe a obra, auto-analítica, crítica e subversivamente.
Só por esses aspectos Buongiorno, Notte já valeria à pena. Traz ainda questões interessantes para todos aqueles que um dia já se encantaram com a idéia de Revolução política: o dogmatismo comunista também molda subjetividades, assim como a ideologia capitalista. Em tempos de guerra-fria, era dura a tarefa de permanecer imune ao controle ideológico: tomando posição ou não o controle é marcante.