segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Buongiorno, Notte (2003) – Marco Bellochio



Buongiorno, Notte (2003) – Marco Bellochio

É fato: as idéias de Marx, sem dúvida, mais que as de qualquer outro filósofo, literato, poeta ou artista, modificaram a ordem mundial no século XX. O marxismo se desenvolveu como artifício das camadas populares intelectualizadas – ou dos intelectualizados burgueses – e assumiu o papel de contra-ideologia dominante por décadas, sem qualquer tipo de refutação, que não fosse a do seu maior inimigo direto.
O filme de Bellochio conta a história de quatro marxistas, ativistas do grupo “Brigadas Vermelhas”. Seqüestram o ex-primeiro ministro italiano e atual presidente de um poderoso partido conservador, Aldo Moro. Sua intenção: fazer justiça em nome da luta de classes. A história é verídica, o ano é 1978.
Alugam uma casa, seqüestram o presidente, prendem-no num quarto.A partir daí o filme ganha ares de suspense, semelhante ao de “O que é isso companheiro?”. O medo de serem descobertos e o ódio que nutrem pelo seqüestrado, ou por tudo o que ele representa, não são, entretanto, o epicentro da trama. A crítica ao fanatismo comunista coloca em xeque a fé que os militantes têm sobre suas ações: ter um estilo de vida totalmente subversivo, ou melhor, fazer parte de uma ação altamente subversiva – seqüestrar um importante político – é a melhor coisa a fazer da sua vida? Ou é melhor se conformar e ter uma vida pequeno-burguesa comum?
A personagem central é Chiara, a única mulher do grupo, e a que mais encarna essa crise. É a única compassiva. Os demais companheiros, dois totalmente impávidos, frios, representados como figuras desumanas, fanáticos da causa comunista, e outro medroso, egoísta, burguês.
Chiara é o centro da trama. Seus pensamentos, sentimentos, sonhos e ilusões é que são o ‘fio condutor’ da história. Compreende que o assassinato de Moro não levaria a nada, não traria a vitória do proletariado. O ideal - O Estado proletário, a pátria soviética – confunde-se com o real - uma sociedade em que os anseios populares são totalmente manipulados pelos meios de comunicação.
A influência da TV é tão grande que começa a perturbar a mente dos ‘terroristas’. Sendo ela a única janela dos seqüestradores com o mundo exterior, veiculam os desejos reacionários do povo alienado, a influência da Igreja Católica nas negociações, e exaltam a nação contra o terrorismo comunista.
A narrativa é entrecortada, não-linear. Faz-se de modo não explícito, o que dificulta o entendimento da história. Enquadra-se na escola européia de cinema, que nos fins dos anos 50 congregou ao cinema um aspecto muito mais subjetivo, filosófico e fenomenológico: a ação que se desenvolve e o olhar que a registra são duas realidades distintas, mas que ao mesmo tempo, compõe a obra, auto-analítica, crítica e subversivamente.
Só por esses aspectos Buongiorno, Notte já valeria à pena. Traz ainda questões interessantes para todos aqueles que um dia já se encantaram com a idéia de Revolução política: o dogmatismo comunista também molda subjetividades, assim como a ideologia capitalista. Em tempos de guerra-fria, era dura a tarefa de permanecer imune ao controle ideológico: tomando posição ou não o controle é marcante.

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